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Luiz Domingues: O maior azulejista do Recife

Atualizado: 24 de ago. de 2021


Azulejos do Edf. Acaiaca. Foto: Maria Laura Pires (2016)

O azulejo é um elemento ícone na arquitetura em Pernambuco. No século 19, eles saíram dos interiores das casas para enfeitar fachadas. Com a verticalização da cidade, foram sumindo aos poucos, devido ao seu custo de produção. Mas a tradição Portuguesa foi destaque em alguns edifícios modernistas, graças à parceria do artista plástico Luiz Domingues com o arquiteto Delfim Amorim, ambos imigrantes de Portugal na década de 1950.

Luiz Domingues trabalhou durante anos com artistas renomados: Francisco Brennand, Corbiniano Lins e Abelardo da Hora. Sempre humilde, nunca assinou seus painéis e não se considera artista: ‘’Eles criam e eu só pinto’’. Domingues pintou obras ícones na cidade do Recife. Entre elas, o painel da Padaria Santa Cruz, e os azulejos do Edf. Acaiaca, em colaboração com o arquiteto Delfim Amorim. Segundo Domingues, Amorim era um grande amigo que o ajudou muito em sua carreira. Enquanto o arquiteto criava o desenho do azulejo, Domingues pintava os mosaicos.

O projeto Prédios do Recife vêm catalogando os azulejos modernos nas fachadas dos edifícios. No post sobre o mosaico do Edf. Acaiaca, em Fevereiro deste ano, a família Domingues entrou em contato através da fanpage. A convite do seu neto Matheus e seu filho Paulo, Luiz Domingues concedeu uma entrevista exclusiva em seu apartamento, conversando e contando histórias sobre sua vida e a cena artística do Recife. Confira:


O azulejista português Luís Domingues. Foto: Maria Laura Pires (2017)

Quando o senhor começou a trabalhar com azulejaria?

Comecei ainda em Portugal, com 22 para 23 anos. Em 1951 entrei em uma fábrica e aprendi a trabalhar com pintura de louça doméstica. No ano de 1954 cheguei ao Brasil, em um dia fatídico: quando Getúlio se suicidou, 24 de Agosto de 1954. Me contrataram na fábrica de Brennand, para trabalhar com louça, por três anos. Então comecei com pintura de azulejos. O que eu fiz de melhor foi isso.

Por que começou a trabalhar com este tipo de arte?

É muito bonito, eu gosto. Por gosto, amor à profissão. Eu não tinha curso técnico, de pintura ou design. Aprendi por auto conhecimento. Mas, deu certo. Procurei fazer o melhor. As pessoas mais exigentes gostavam do meu trabalho.

O senhor teve algum mentor, ou influência de alguém?

Não. Eu só queria trabalhar nesta profissão, eu gostei dela.

Houve algum artista que o inspirou em seus trabalhos?

Tinha um artista que admirava muito, Rafael Bordalo Pinheiro, de Portugal. Ele era ceramista, pintor, escultor, do século 19. No Brasil tem uma obra dele que para mim, é a mais importante do mundo: A Jarra de Beethoven, com 1 metro e meio de altura. Ela representa a sinfonia de Beethoven. No seu centenário, no Rio de Janeiro, ela estava no Palácio do Catete, mas nunca a vi e não sei onde ela está.

O que este tipo de arte representa para você?

Para mim, foi um sonho, que eu nunca consegui fazer aquilo que queria fazer: aqueles trabalhos antigos, azulejaria antiga, que é bonito para museu, para a história. Mas foi amor à profissão mesmo.

Quais são os seus sentimentos em relação à cidade do Recife?

Para mim é minha segunda terra. A primeira está Coimbra.

Uma das suas obras mais conhecidas são os azulejos do Edf. Acaiaca.

Sobre o Acaiaca, Delfim Amorim me pediu para fazer. Ele tinha muita confiança no meu trabalho. Ele criava e eu fazia. A partir do primeiro, ele ficou fazendo todos comigo. Não foi só o Acaiaca, foram vários. Pintei também os da casa Altino Ventura, em Casa Forte, 1958.

Conte sobre a concepção do famoso painel da Padaria Santa Cruz.

É um trabalho corriqueiro, já tinha feito uns dois ou três. É a Santa Padroeira das Panificadoras de Pernambuco. Então de vez em quando, abria uma padaria e ‘’vamos fazer aqui um painel da padroeira’’. Tem um igual na Rua da Palma, também fiz um em Cavaleiro.

Como o senhor caracteriza a materialidade do azulejo incorporada na arquitetura do edifício?

Acho que o azulejo combina com as linhas arquitetônicas, ele dá o contraste.

O interessante é que é uma tradição clássica, que combinou muito com os edifícios de Delfim, durante o movimento modernista.

É você criar uma configuração que combina com o ambiente. Veja Brasília, por exemplo. São azulejos modernos que combinam com o ambiente de arquitetura, que é moderno também.

Quais eram suas expectativas de carreira quando o senhor chegou ao Recife?

Não sonhava com nada. Vim cumprir um contrato de trabalho. Depois pensei em cursar Design. Como havia dito, trabalhava com louça, não era artista da fábrica. Era um trabalho à parte. Eu era um profissional, não um artista. Comecei a fazer alguns trabalhos como aprendiz e autodidata. A primeira pessoa a valorizar meu trabalho foi Francisco Brennand. Ele viu uma produção minha em cima da mesa e falou ‘’Isto é de um artista!’’. E então surgiram outras oportunidades. Fiz um retrato de uma ceia de Cristo para um desembargador, nos Aflitos. No dia em que finalizei e ele veio buscar, me acompanhava um amigo que sabia de pintura. Ele disse para o desembargador: ‘’Não digas a ninguém que pagaste dinheiro por este trabalho, pois nunca vi uma coisa tão bem feita!’’. Comecei a me aventurar. Não sou um artista, sou um aventureiro!

Tem coisas que o dinheiro não importa.

É muito interessante essa sua frase, pois teve muitas vezes em que me aconteceu: a alegria do cliente com o trabalho era muito mais importante do que o dinheiro. Quando via a satisfação do cliente, já estava pago.

Em que momento o senhor sentiu a necessidade de se expressar como artista?

Nesses momentos em que fui capaz de agradar as pessoas. Não consegui fazer o que eu queria, então ia às livrarias, procurava livros, via a técnica, obras do Louvre, aquela coisa toda... Foi assim que aprendi a fazer algo que pudesse agradar as pessoas. Não tive técnica, não tive escola, não tive nada.

Houve um momento em que o senhor se reconheceu como artista? Foi na época de Brennand?

Brennand foi um artista conceituado que reconheceu meu trabalho. Depois que saí de lá, montei uma oficina na Tamarineira. Quando fazia um painel, montava a exposição e comecei a chamar atenção das pessoas. Depois mudei para Campo Grande. Fui criando fama, fiquei conhecido. Fiz trabalhos na Paraíba, Alagoas, todo o Brasil. O maior painel que eu fiz foi no Colégio Santa Rosa, em Belém do Pará. Tem quarenta e tantos metros quadrados. Mas nunca me denominei artista. Fazia o melhor que podia, e graças à Deus, nunca tive um trabalho que foi rejeitado.

Qual a sua opinião sobre o movimento artístico no Recife?

Bons artistas tem. O que falta é a divulgação dos valores do Recife. Sempre faltou e sempre vai faltar. Os políticos não dão valor à essas coisas. É o que eu acho, é minha opinião.

O senhor usa alguma outra técnica além do azulejo?

Comecei com a louça e fui para o azulejo aqui no Brasil. Para falar a verdade, 90% dos trabalhos era santinhos para pagar promessa que as pessoas faziam para a casa ficar pronta. Quando finalizada, pintava os santinhos em cerâmica, na parede em cima da porta. Todo os estudos, projetos, croquis, eram raros. Acontecia quando chegavam pessoas como o arquiteto Delfim Amorim, com suas criações. Mas era muito difícil.

As perguntas acabaram, mas a conversa continuou. Matheus sugeriu o debate do porquê que a produção de azulejos diminuiu. Domingues respondeu:

‘’Meu filho, normalmente isto acontece com a chegada de outros produtos. A partir dos anos 80, as fábricas lançaram outros tipos de revestimentos, cerâmicas, coisas assim. O mesmo sistema, só alterar o material. Então o azulejo caiu, começou a ficar caro. Começaram a usar a cerâmica como piso, que antes só eram nas paredes. É um erro. Arrastou uma cadeira, faz um buraco. Não deveria ter sido feito, mas as fábricas queriam ganhar dinheiro. Praticamente adulteraram e deram fim no azulejo. Tanto é que a maior fábrica de azulejos do Brasil fechou, porque começaram a substitui-lo por outros revestimentos. Acabou-se. Lembro que abriram uma fábrica assim que cheguei no Brasil. Era um produto bom, barato e de qualidade. Surgiram várias. Hoje tem outros produtos que acabaram com essas fábricas. Criaram esse material, o porcelanato, que é tudo a mesma coisa.

Matheus: O porcelanato deixa todos os prédios iguais.

Luiz Domingues: Vou dizer uma coisa, meu filho. Eu não aventurava não. É a garantia da segurança lá em cima. O Delfim Amorim quando quis colocar os azulejos no Acaiaca. É um material sujeito a dilatações, e com isso o material vai se soltando, o medo dele era que começasse a cair. Mas tem a garantia, os azulejos estão ali, em casas antigas, há 200 anos. O porcelanato pesa na parede, a natureza mexe com isso. Se cair lá de cima, o estrago é grande.

Mostrando as fotografias do projeto Prédios do Recife, Domingues confirmou que o famoso Edf. Barão do Rio Branco foi trabalho seu. Já os azulejos do pilotis do Edf. União, projeto de Acácio Gil Borsoi, não. Domingues diz que não trabalhou com Borsoi, arquiteto migrante do Rio de Janeiro para o Recife na década de 1950. Porém trabalhou para alguns clientes dele, e também para sua esposa Janete Costa, arquiteta e designer de interiores.

Azulejos do Edf. Barão do Rio Branco, na Rua do Giriquiti, bairro da Boa Vista.

Matheus: O senhor era o único que fazia esse tipo de trabalho.

Luiz Domingues: Durante muito tempo, foi. Mas não fazia trabalhos artísticos, fazia estamparia. Um trabalho mais mecânico, metódico.

Prédios do Recife: Tem também os azulejos no hall de entrada do Edf. AIP, do Delfim Amorim.

Luiz Domingues: Não sei. Delfim Amorim, o maior trabalho que fiz com ele, foi o Edf. Acaiaca, que eu acompanhei todo o tempo. Depois disso foram mais casas de doutores. Na Casa Altino Ventura, em Casa Forte, ele criou um design de três cores, cada cor era um design diferente. Ele fez o mesmo design para cozinha, para o banheiro... era extraodinário, o mesmo design, juntando os três, criava a fachada.

Matheus: Sei que tem uma casa de Delfim na Av. Dezessete de Agosto, tem uns azulejos que dá pra ver de fora.

Luiz Domingues: Ele era muito requisitado. Lembro que em 1958 fizemos o Edf. Acaiaca. Em 1961-62, montei uma fábrica em Olinda. Tive uns três ou quatro anos fora da pintura. Em 1964-65 o Delfim Amorim queria pintar uma azulejo e não tinha quem o fizesse, então voltei à oficina para trabalhar com ele.

Luiz Domingues, com 92 anos, é conversador e vive com sua família em um apartamento em Campo Grande, totalmente revestido de azulejos pintados por ele: na sala, na cozinha, no banheiro, no terraço. No mesmo edifício, seu filho dirige uma oficina de azulejos. Seu objetivo é dar reconhecimento e continuidade ao trabalho do pai, produzindo mosaicos em pastilhas de vidro. Conheça a empresa 3ART através do site: http://www.3artpastilhas.com.br.


Luiz Domingues, 92 anos, guarda na memória suas aventuras no Recife como azulejista. Hoje, depois da entrevista, ele sabe onde está a Jarra de Beethoven: no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

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